sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Rapunzel de neve

Anoitece um frio de névoa
Ela sorri com os lábios ressecados
Cada lacuna é um labirinto de sangue
E minha saliva inunda esse mistério

O chá borbulha fazendo som burlesco
Sem açúcar
Ela quer emagrecer
E deixa a vida mais amarga

Os seus cabelos estão pesados de sono
E os olhos carregam marcas
Marcas escuras como as que
Leva na bagagem

O inverno amanheceu mais cedo
Não quer deixá-la sair
E ela faz desse frio uma cruz
Pesada e tristonha

Seus dedos mórbidos tocam uma harpa
O amor sai fervendo das narinas
E na cama retorce o corpo
Abraçando aquilo que entra pela fresta da janela
É a depressão com perfume de primavera

Desenhando pôr-do-sol

Foi preciso poesia pra ficar inerte
de um vazio que parece fome,
e foi bastante até cansar poeta

Precisou de flores pra fazer perfume
em uma cidade cor-de-prata, pouco rico,
muito usurpado de fumaça
e espirais de poluição pessoal

Com páprica e torta de maçã o que era amargo
virou beija-flor, sedento e eufórico,
docinho, para suportar um pôr-do-sol sem chorar
(pois o choro vinha salgado)

E com arte moldou-se um abraço calejado
se desenhando e dançando por entre dedos finos
com bolhas de tanto uso
e tentativas frustadas de forjar amor,
o amor existiu porém não dura mais que horas

Quem não sabe fazer arte desiste
vivendo só de esmola

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Hoje sonhei poesia

Hoje eu sonhei com seus olhos
e a cor desse mundo insano não fazia sentido,
através da vidraça de sua íris furta-cor
eu refleti os meus erros cotidianos
e padeço pelo vácuo de vida deixada para trás
à ponta pés gastos

No meu sonho a realidade pulsou teus lábios
procurando pelo grito de amor
mas as amídalas rompidas de medo
impediram a voz embargada
de rasgar o silêncio

Eu tive medo de acordar
mas eu despertei por culpa dos automóveis
que correm em busca de um abrigo,
e quando fecho os olhos
o escuro amedronta meus devaneios
enquanto a insônia canta um choro
intacto de solidão

Hoje eu sonhei
e ao acordar quero morrer dormindo
para tocar suas maçãs rosadas e alimentar-me
de uma ilusão doce,
quero morrer e esquecer das lembranças
que martelam essa alma cansada de sofrer

No meu sonho eu tentei amá-lo
e consegui tão profundamente que acordada
esse calor chamusca as vértebras
desse corpo machucado,
quero viver esse sonho interrompido
pela eternidade de uma lágrima

Hoje as memórias estão doloridas
e frígidas feito gelo,
vivo-te todas as noites sonhando
pra deixar de sofrer a realidade de te ter
somente dentro do papel borrado
de um vazio sentenciado de saudade