sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Rapunzel de neve

Anoitece um frio de névoa
Ela sorri com os lábios ressecados
Cada lacuna é um labirinto de sangue
E minha saliva inunda esse mistério

O chá borbulha fazendo som burlesco
Sem açúcar
Ela quer emagrecer
E deixa a vida mais amarga

Os seus cabelos estão pesados de sono
E os olhos carregam marcas
Marcas escuras como as que
Leva na bagagem

O inverno amanheceu mais cedo
Não quer deixá-la sair
E ela faz desse frio uma cruz
Pesada e tristonha

Seus dedos mórbidos tocam uma harpa
O amor sai fervendo das narinas
E na cama retorce o corpo
Abraçando aquilo que entra pela fresta da janela
É a depressão com perfume de primavera

Desenhando pôr-do-sol

Foi preciso poesia pra ficar inerte
de um vazio que parece fome,
e foi bastante até cansar poeta

Precisou de flores pra fazer perfume
em uma cidade cor-de-prata, pouco rico,
muito usurpado de fumaça
e espirais de poluição pessoal

Com páprica e torta de maçã o que era amargo
virou beija-flor, sedento e eufórico,
docinho, para suportar um pôr-do-sol sem chorar
(pois o choro vinha salgado)

E com arte moldou-se um abraço calejado
se desenhando e dançando por entre dedos finos
com bolhas de tanto uso
e tentativas frustadas de forjar amor,
o amor existiu porém não dura mais que horas

Quem não sabe fazer arte desiste
vivendo só de esmola

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Hoje sonhei poesia

Hoje eu sonhei com seus olhos
e a cor desse mundo insano não fazia sentido,
através da vidraça de sua íris furta-cor
eu refleti os meus erros cotidianos
e padeço pelo vácuo de vida deixada para trás
à ponta pés gastos

No meu sonho a realidade pulsou teus lábios
procurando pelo grito de amor
mas as amídalas rompidas de medo
impediram a voz embargada
de rasgar o silêncio

Eu tive medo de acordar
mas eu despertei por culpa dos automóveis
que correm em busca de um abrigo,
e quando fecho os olhos
o escuro amedronta meus devaneios
enquanto a insônia canta um choro
intacto de solidão

Hoje eu sonhei
e ao acordar quero morrer dormindo
para tocar suas maçãs rosadas e alimentar-me
de uma ilusão doce,
quero morrer e esquecer das lembranças
que martelam essa alma cansada de sofrer

No meu sonho eu tentei amá-lo
e consegui tão profundamente que acordada
esse calor chamusca as vértebras
desse corpo machucado,
quero viver esse sonho interrompido
pela eternidade de uma lágrima

Hoje as memórias estão doloridas
e frígidas feito gelo,
vivo-te todas as noites sonhando
pra deixar de sofrer a realidade de te ter
somente dentro do papel borrado
de um vazio sentenciado de saudade

domingo, 7 de julho de 2013

À deriva de mim

Leve-me pois não sei mais prosear
E de onde vim não há mais chão
Minha nacionalidade é o estrangeiro

Leve-me com você
E limpe meus pés dos maus caminhos
Embarcarei no seu destino pois estou sem porto
Meu barco à velas navegou sozinho
Deixando-me nessa ilha de areia movediça

Leve-me e cuide dos medos
Deitarei no leito de seus braços insanos
Pois de onde vim não tinha cama

Leve-me e não conte para onde vamos
Tenho sede pois meu caminho foi seco
E hoje sou semente infértil
Mas vele este ventre vazio

Meu peito é um horizonte de ilusões
E nesse ilusionismo eu te espero
Fecho os olhos pois as pálpebras cansaram
E sem lugar eu continuo à deriva de mim

Leve-me nessa repetição perambulante
Deixe uma fresta para eu entrar na sua vida ferida
Pois farei de ti minha moradia

quarta-feira, 12 de junho de 2013

Esmola de sonhos

Ele está de bruços em um lago de flores mortas
a lua se esconde
esse lago é a alma dele
o céu está escuro de chuva carente
e seu rosto é uma poesia de quinta,
Hoje é sexta

Os pés pequenos são castigados
aquele chão rachado é berço de sementes secas
onde o alimento não floresce,
romance de uma vida ressecada,
Ele é o sertão

Esses sonhos vêm para a cidade
onde as ruas cinzentas mostram a solidão
as paredes são pichadas de nomes
no buraco de uma avenida vazia
esconde-se a ferida

Meninos com futuros furtados
sujos de maldade precoce
eles querem brincar e brincam com o medo
nos olhos eles carregam a felicidade perdida
nas mãos uma arma,
Inocência falida.

Eles choram a cor de serem diferentes
os lábios são facas que machucam
de longe eles parecem crianças
quando erguem no peito a esperança.

Ele sente fome de tudo
pede esmola sentado na calçada
fica feliz quando recebe um sorriso
come um pão por dia
e o divide com outro menino
sentindo fome de ser criança

No natal ele quer escrever uma carta
pedir doces ao Papai Noel
ele não sabe escrever
pega a navalha e vai buscar o presente,
Ele rouba
Ele mente

Rocambole

Coloquei a música mais triste que tinha entre a poeira
E dancei conforme a melancolia pedia
Lembrei do nós
Esse apartamento pequeno não me cabe
Nos cabia
Éramos um
Eu era somente sua.

Hoje sou inteira
Chata
E não mais compartilho o chocolate de panela
Engordei
Devoro a sobremesa sozinha, deito e durmo
Durmo para esquecer
Não esqueço
Sonho com você.

A última vez que te deixei no ponto de ônibus o céu estava limpo
Eu sabia que seria a última sexta do mês
Última vez que me pagaria um sorvete, brownie e cheesecake
Minhas receitas caseiras são detestáveis
Só me resta o bolo aguado da padaria
Ou deliciar-me com essa poesia.

Aquela simpatia não fez efeito
Não consegui um namorado
Eu só consigo sujar os pratos.

Decido limpar essa bobeira de amor complicado
Vou no mercado comprar sabão em pó
Mas volto com apenas rocambole e pão de ló debaixo do braço.

Minha primavera a(dor)mecida

O sol gira em torno dos seus olhos
Olhos estranhos de tanta boniteza
E brinca com sua alegria momentânea
Ofertando-te uma dança da primavera.

Você é minha primavera!
E eu fiz um jardim em sua homenagem
Flores tolas e encabuladas.

Toca uma canção de ninar
E eu novamente sinto meu coração pulsar fortemente
Você sorri da minha embriagues de amor
E aparece borrachinhas azuis em torno desse sorriso de criança
Eu invejo-os com a força de um meteoro sem rumo.

A escuridão chega silenciosamente
Ela tem medo que você a rejeite e vomita estrelas incandescentes
E a lua aparece recitando um réquiem de morte
Mas toca gentilmente uma valsa e ela chama-te para bailar
Escuridão suicida-se no fim da madrugada
Toca as badaladas de um relógio sanguinário.

Apaixonei-me com pouca serenidade
E abandonando a filosofia da presunção suplico-te que fique
Confie nesse castelo de sonhos que tricotei nos dedos para você
Traçados durante as noites quentes e geladas
Noites que adoeceram-me.

Uma canção dormente entra navalhando pelas janelas a alma
Somos um espelho de uma vida penante
E serei enfermeira dos seus medos morfinados
Lamúria-se e beijo sua nuca suada de perfume amadeirado.

Você é sempre tão triste e cheia de névoa
E sobre uma estrada efêmera eu almejo seu corpo débil
Fantasio uma cortina tênue de felicidade e peço que segure minhas mãos vazias
Pego-me cantando novamente breve canção de ninar
E faço sua dor adormecer.

O romantismo literário feito para ela

Eu tenho certeza que deveria começar escrevendo como sinto-me neste velho e acolchoado diário, só que ao pegar a caneta acabo ficando totalmente eufórico para contar o meu dia, eu sei que você, querido diário, não acredita mais em mim e em minhas efemeridades literárias, reconheço que tenho aquela mania de criar situações e personagens, mas dessa vez eu peço um pouco de sua credibilidade e atenção.

Acordei bem cedo, tomei um nescafé com biscoitos amanteigados e decidi ir ao sebo da próxima rua e acredite, foi a melhor coisa que poderia ter acontecido na minha medíocre vida coberta por rotina. Chegando lá o cheiro de livro antigo deu-me boas vindas, logo a infinidade de livros me entonteceu, findei decidindo começar pela última estante de livros estrangeiros e num relance de olhos, eles pararam em uma mulher que estava com um livro nas mãos e os olhos nele. Eu tenho certeza de que não preciso descrever com tantas palavras o quanto achei fascinante aquele ser magnífico que estava diante meus olhos e ao mesmo tempo, tão distante de mim. Ela era branca como as páginas do livro que lia, os cabelos eram escuros como a noite passada que não tinha lua e naquela escuridão um laço de fita vermelho enlaçava-o, apenas um vestido de flores pequeninas encobriam aquele corpo delicado. Eu tive ali a certeza que depois de chocolate branco, ela era a coisa que eu mais amava no mundo e aquele amor ficaria guardado para todo sempre em mim, eu tinha certeza disso e eu sofri por antecipação. Ela estava explorando aquele livro de capa dura e abriu um sorriso, um sorriso tão destrambelhado e nos dentes ela tinha um metalzinho delicado e azul, que me fez sorrir junto, um sorriso angustiado pois eu daria minha alma para ser aquele metal parasita. Ela folheava como se estivesse fazendo carinho naquelas folhas e acabei aproximando-me um pouco mais, com o coração batendo tão violentamente que até o espanhol da padaria talvez estivesse ouvindo o ritmo. Ela me olhou e nesse instante as batidas cessaram, o sangue gelou, a barriga estremeceu, a vontade de vomitar apareceu: aqueles olhos de raposa eram hipnóticos, floridos como a primavera. Logo depois ela fechou o livro e colocou-o no devido espacinho, ajeitou a bolsa de pano que estava escapando do próprio ombro e saiu da livraria. Eu não acreditei que ela tinha ido embora tão de repente e corri até a rua, mas eu não mais a vi, ela havia sumido e eu queria poder terminar esse escrito contando algo feliz, como nos meus contos imaginários. E estou pensando em abrir um sebo na próxima rua só para ver se a mulher primaveril aparece para reanimar meu coração desesperado por esse amor literário. Querido diário, peço que não se preocupe, eu não o colocaria nas estantes para viver empoeirado na solidão, como eu, que encontro-me nesse apartamento mofado.

Artísticos sonhos surrados

É uma mulher com sonhos defasados,
Sonhos jogados ao chão como as roupas velhas.
Possui um corpo em função de dinheiro amargo,
Corpo frágil, frígido e usado,
Cheio de hematomas, surrado. Corpo magro.

Aquele sorriso é um desenho feito com lápis sem ponta,
Rabisco da felicidade que nunca existiu
E seu rosto é um borrão de maquiagem,
Triste e artístico, manipulado por mãos trêmulas.

Ela sobrevive em um quarto e sala cheiroso a mofo,
Divide-o com outra mulher sem esperanças
Noitece e ela está pronta para a dolorosa derrota noturna.

Seu coração é um imensurável iceberg,
Ela não confia em si mesma e seu corpo é facilmente maleável
Ela molda-se nas mãos de homens ocultos,
Às vezes ela cria histórias durante o abate,
Outras vezes coloca uma máscara sobre o rosto deles e finge ser criança
Uma pequena e inocente criança que precisa chorar
Ela quer colo e só consegue um gozo forçado no desfecho da tortura.

Sobre seus ombros ela carrega um fantasma
E coloca suas mágoas dentro de um diário lá pela manhã enquanto entope-se de sucrilhos com leite
Anda pela casa semi nua de móveis e faz planos de fuga
Tudo que ela precisa é refugiar-se nos braços de um amor
Mas não existe amor e nem esconderijo
Ela precisa é correr desesperadamente dos próprios medos
Mas ela só deita e chora.

Ela chora em demasia
Não é feliz, mas clama incandecidamente ser,
Fala com frequência do orgulho de ser o que é para convencer os outros
Mas não convence a própria alma ferida.

Suas roupas são curtas, não a cobrem do frio que atormentam-na
Seu colar é de lata, seus dentes estão apodrecendo como aqueles sonhos
Ela tem olheiras enormes e um rosto febril,
Sua voz é uma súplica feita por um doente à beira do suicídio.

Ela não teve chances de mostrar o quanto escreve bem
O papel e a caneta são suas únicas aliadas na luta contra a vida
Ela é poeta e só consegue mostrar sua arte na cama, arte mal paga
Arte maldita, mal escrita, mal usada.

O beco escuro e os clientes sem nome a esperam
Ela não quer mais viver,
Mas anoitece e ela sai criando histórias para poder comer.

Mestre dos olhos solitários

Ela era a calma que um poeta precisa pra criar um verso
Ela era muito mais que breve inspiração,
Era jardineira de sonhos,
Mulher que muito tinha no olhar e pouco falava.

E aqueles olhos meigos eram uma valsa noturna
Coisa que quem visse logo a chamava para dançar
Mas ela não dançava!
Ela somente sorria e fazia gestos meigos,
Um feitiço com zelos de amor mal interpretados.

Ela era muito envergonhada
E as maçãs do rosto ficavam coradas facilmente,
Ninguém conseguia compreendê-la,
Logo ela se via sozinha dentro da madrugada com os olhos inchados,
Caminhava até a janela observando a lua dançando sobre a bruma
E rezava baixinho uma canção de dor.

Ela é dor!
Ela é o presente que nesse poema eu não escrevi,
Ela é a redação mais correta que alguém poderia desenvolver,
A solução mais social, o impossível.

A alma dessa mulher é loira como seus cabelos
E sua pele cheira a perfume adocicado de flores,
Pele branca como a neve recém caída no início da primavera.

Ela é brega, as músicas que ouve também o são
Mas no meio de tanta agonia ela se desfaz de bom gosto,
Traz na bagagem uma vida solitária, nas mãos o afago ao amado
E nos lábios o mel que forjou sendo abelha para resguardar-se.

E logo quem a vê percebe que ela é muito diferente
É impossível ver a alma dessa mulher
Mas exala o cheiro de bem-me-quer, sensualidade, saudade.

Diante seus ensinamentos nos deitamos sobre o leito da verdade
Ela é a mestre que sempre sonhou ser
Alma resignada a todos os dias florescer.

Fumaça apagou a dor, o amor

Ela tinha aquele cigarro de marca desconhecida no canto da boca.
Eu a observava com o canto dos olhos, sempre com cuidado para não ser percebido. Quando a encarava, ela fazia questão de não olhar para mim. Os olhos dela eram cor-de-sol, cor-de-folha, cor-de-mar, era estranho pois a cor de seus olhos mudavam de acordo com seu humor. Humor? Ela não tinha humor, só tinha aquele maldito cigarro na boca. Não que eu me importasse muito com o humor dela, já estava acostumado, mas por que ela não soltava aquela droga? Tinha eu aqui, ela poderia me segurar por entre os dedos e tragar-me até o fim. Ela poderia muito bem me colocar na boca e viciar-se.

Aqueles cabelos dourados fediam a fumaça, balançavam contra o vento fazendo com que meu coração parasse. Seu rosto era malicioso e quando sorria, os lábios grossos enfeitavam-no. Ela ficava horas e horas jogando a fumaça para cima e balançando o cigarro, como se fosse uma marionete, mais uma de sua coleção. Ela tratava essas marionetes fedorentas com tanta carícia que eu sentia ódio, era como se a cada novo cigarro, fosse mais um amante a beijá-la com tamanha ferocidade que a fazia rir. Eu era uma marionete, mas nem sequer estava em sua estante. Eu me preocupava tanto! Seus pulmões estavam sendo queimados e poluídos, seus dentes em breve amarelariam e provavelmente ela teria um câncer em poucos anos. Oh, seu cheiro amadeirado, levemente misturado com baunilha, não mais exalava. Seus cabelos que deveriam ter cheiro de shampoo barato, hoje em dia não têm mais. Ela se tornara alguém que eu não mais conhecia, uma névoa, algo efêmero, mas eu a amava do mesmo jeitinho. Eu tinha a mesma dor no peito, sentia o nó incontrolável na garganta quando pensava em ser descartado como a bituca que ela jogava ao chão, mas como seria descartado se nem a ela eu pertencia?

Certo dia, em casa, achei um maço de cigarros jogado na mesa, provavelmente era de minha mãe. Levei-o para o quarto, peguei o fósforo e decidi experimentar, o primeiro trago foi a coisa mais terrível que senti na vida, depois vieram outros, no mesmo dia, fumei todos os vinte que tinham e comprei mais. Comecei a fumar e fumar incontrolavelmente, mesmo não gostando do cheiro e nem do sabor que ficava na boca, fumei por ódio, rancor, amor. Os dias passaram-se e quando vi a menina novamente, meu coração bateu normalmente. Aquilo foi estranho, mas percebi algo que nunca teria imaginado... Troquei-a pelos cigarros! Eu não precisava mais estar na estante de ninguém, tinha minhas próprias marionetes. Eu perderia meu cheiro e a saúde, mas isso eram mínimos detalhes. Achei engraçado quando vi a garota da minha rua encarando-me, por vezes ela soltava suspiros, eu fazia sempre a mesma coisa, ficava brincando com o cigarro na mão e abria um sorriso malicioso, que antes não tinha. Aquilo que outrora matava salvou-me.

Dentre goles de solidão

Andando curvado, aquele homem caminhava pelas avenidas, ele tinha um suspiro tão profundo e seus olhos, de olheiras roxas, eram imensos. Acordava deitado e a voz rouca dizia coisas breves, as pessoas sorriam com febre ao tentar entender, depois bagunçavam o cabelo com as mãos, atordoadas. Ele entrava todos os dias na mesma cafeteria com cheiro de madeira velha, pedia um café com caramelo e observava as moças e rapazes passarem com irreverência, bocejava o tédio.

Aquele homem teve tantas mulheres nas mãos e parou para pensar nelas. Tinha Catherine, que perdeu a virgindade aos treze. Vitória, que conheceu na faculdade, ela era engraçada, mas perdeu a graça. Outra que nunca esqueceu foi Mariana, sua primeira namorada, era muito insana. Foi sorrindo de lado enquanto vasculhava a cabeça tentando lembrar de todas, com o café em uma das mãos, ele chacoalhava lentamente entre beberico rápidos. Lembrou-se de Amanda, falava mais do que podia pensar. Teve também Olga, que era tão inteligente que fez ele perder o interesse. Maria era a menina que ria, ele fez planos para o futuro com ela, mas ela faleceu. Nunca mais viu Vanessa, Andressa, Carolina, Regina. Julieta era tão apaixonada, hoje em dia anda drogada. Foi louco por Gracinha, conheceu no elevador do prédio, descobriu que ela queria todos os caras, a loucura virou piada. Agora, o homem sorriu rapidamente, lembrou de Capitu, que interpretou tão bem o livro, só que na vida real. Tomou um longo gole do café enquanto pensava em Glória, perdeu-a para um cara com pinta de otário, Aninha foi o romance mais rápido e intenso, de suspirar. Teve Elena, que falava sobre livros, música e filmes, sem saber nada sobre filmes, música e livros.

De súbito, o homem levou um susto retraído, balançando a cabeça. Tinha uma mulher na frente dele, com um sorriso largo e desenhado, maçãs do rosto coradas e cabelos ondulados. Ela perguntou com uma voz intimidadora se ele se lembrava dela, ele abaixou a cabeça e finalmente deixou escapar um sorriso sincero. Ela perguntou qual era a graça, ele pigarreou:
— Não que seja engraçado, mas estava agora mesmo pensando em você.
Passaram aquele dia juntos e à noite o homem estava acompanhado da saudade, no dia seguinte iria novamente para aquela cafeteria lembrar das mulheres que teve nas mãos e que deixaram apenas a nostalgia no fim do dia.
Homem, de todas elas, quem mais amou?
— Solidão, que deita na minha cama e me acompanha.

Maria-Ana psicodélica

Seus olhos são pontes para o inferno
Pequenos porém escuros como pérolas negras
E seus cabelos curtos de fios marrom cor-de-vida
São uma enorme bagunça, retratando gentilmente o que existe dentro dela.

Seu cheiro de erva medicinal embala o vento para cantar com ela
E sobre uma enorme árvore ela pintou o seu amor
Nas mãos tão macias ela segura um lápis
E desenha uma borboleta
Mas ela não sabe fazer cores e entristece quem a vê.

Ela é tão solitária e anda curvada como se carregasse o peso da própria solidão
E todos os dias eu conheço uma nova Mari-Ana
Renovando-se a cada pôr-do-sol tristonho
Maria, Ana, Mariana
Uma infinidade de mulheres em um só corpo infantil.

Sobre o sol Carioca ela desfila com uma calça preta de veludo
E seu coração está afogado em um poço congelado
Condenado a anos de arte.

Seu corpo é um desenho erótico
Tão pouco explorado por ela, nunca visto a não ser por entre roupas largas
E ela vive um conto de duendes
Cheio de cogumelos psicodélicos em que seres humanos não são capazes de entrar
Vive rodeada de anjos
Mas ela é um demônio do inverno
Pronta para mais uma brincadeira do espelho.

Sempre com um livro nas mãos ela anda por aí
Não há quem não se apaixone por aquela garota do gorro vermelho
Sem estilo, velha, chata.

Ela é um desastre fatal.

Cólera por um homem corrosivo

Era um catastrófico fim presente
mais um fim
aqueles olhos vazios e pequenos olhavam a acusar
eramos água e álcool
e por milhões de vezes queimamos.

Foi um amor conturbado,
mas meu coração não tem dono
é um fútil relojoeiro a forjar amores.

Eu sofro!
sofro mais do que aqueles que amam por cem anos
mais do que o outro que nunca amou
muito mais do que aquele poeta que diz morrer de amor
eu sofro como se tivesse em estado terminal
quando descubro que é hora de trocar de amor.

Sou um doente em busca de ajuda
e machuco as pessoas por onde ando
eu maltrato quem me ama
eu deveria ser internado por doença-crônica-corrosiva.

E viro serragem separando-me e virando heterogêneo
mas amo por cem mil vidas
amo por centenas de noites
e o fútil acaba virando uma bela prosa para meu diário.

Era mais uma separação
tão dolorosa e destrutiva quanto ácido
e os carinhos viram cólera
defeitos aparecem assim tão de repente,
e torno-me um monstro
aos olhos delas.

Delas!
mulheres que amo e sou enlouquecido em busca de paz
meu outro lado pede que eu ame
e sou louco
extremamente louco para encontrar a plenitude
mas eu não sou de ninguém
eu não quero conformar-me com a ideia
de acabar com minha sede.

Ando bebendo demais
quero encontrar alguém que deite e me cuide
que no auge da minha doença cubra-me de desejo
que me conte como foi seu dia e pergunte sobre o meu
eu só quero um amor tranquilo como nunca fui.

Acho que eu estou morrendo
e quero urgentemente que alguém brigue comigo
tenho medo de ficar sozinho
e abandonei tantas por medo de ficar só
eu sou uma bagunça.

Pensando bem eu já morri por dentro
agora só preciso é de mais um amor corrosivo
queimando, por favor.

Moléstia de saudade

Abraça-me? Isso não foi uma pergunta e sim uma despedida tão sólida, dolorosa e real quanto ser devorado por animais ferozes.
O mórbido de minha cantoria vira rotina das mesas de bar que estão vazias. Lá vem mais um corpo sem alma a desfilar com sua dor, mostrando-a tão distraidamente como se fosse seu litúrgico troféu. Lá vai ele com sua saudade a martelar da cabeça aos dedos cansados dos pés. Tantos julgamentos a um homem que o único erro foi amar, maldito amor!

Depois da despedida fui caminhando pelos becos pouco iluminado e tragava o cigarro no canto da boca com tamanha força que chegava a sufocar, logo jogava aquela rajada de fumaça pra fora com um longo e exasperado suspiro e fungava fundo também em concordância com os olhos que não paravam de inundar-se   repetidamente. Comprei a garrafa mais barata de vodka para limpar de vez aquela mancha avermelhada que o coração arrebentado havia deixado, sabia que seria inútil, aquela hemorragia era grande demais para todas as bebidas existentes no universo, grande demais para minha pouca saúde física e mental. De súbito, comecei a rir, gargalhar, gemer, resmungar, uma explosão que me fez cair, acordei no dia seguinte vendo todos aqueles olhos cheios de olheiras amanhecidas, levantei-me e para casa fui, o rumo foi difícil, não conseguia reconhecer a mim mesmo mas eu cheguei. Corri para nossas fotos e ah! Curei-me... Estava novamente apaixonado por ela.

E se ela voltar, aqui estarei eu. Todos os dias escrevo-lhe cartas, estão em cima da mesa de madeira herdada de um familiar qualquer, os cigarros eu sou capaz de largar se ela voltar! Ela sabe o quanto a amo? Amo aquela mulher de cabelos escuros, dos olhos de felina levemente cobertos por uma falsa doçura. Amo os laços que ela usa nos cabelos, do cheiro de café que vêm de seus lábios carnudos, amo aquela voz ligeiramente rouca. Amo aquele sorriso que me faz o homem mais feliz que já vi, amo-a tão demasiadamente que esqueço quem fui, sou e serei, esqueço que existo para contemplar a existência daquela mulher. Se a mim ela volta, beijarei-a em todos os momentos, longos e demorados beijos seguidos de carícias e abraços. O abraço... E se ela volta eu peço que abrace-me e logo esqueço de tudo, nada mais peço depois, só que ela acabe com a minha saudade que já sufoca.

Fonte dos teus lábios

Quero contemplá-la em teu momento de distração para ver-te sorrir
E depois de ver os teus lábios embalados pela minha música
Consolar-te-ei em meu peito febril.

Canto um amor medonho, manso, tranquilo e amargo
Não há melodia melhor que amanhecer assustadoramente feliz,
Ando condenado a amargar a eternidade não infinita dessa juventude casta
E apodrecer a cada madrugada frígida, vendo o sol nascer comigo, florescendo,
Florescendo esse amor humilde e exacerbado.

Peço que me desculpe por amar-te tão estranhamente!
Aos teus pés deixo um âmbito de tristeza
E coberto por remorso ofertarei lágrimas e dar-te-ei,
Salgadas como o mar límpido,
Só para sua boca sentir sede e pedir a minha.

E se tu pede-me, Oh, minha amada!
Se a mim pede um beijo, eu morro!
Morro e morro numa dimensão cadavérica, morro numa repetição mundana
Morro em teu seio divino e desfruto dessa felicidade
Doce felicidade que sugo de teus lábios.

Trague-me

Sete da manhã e eu ainda não consegui dormir
Ela está em minha cabeça
como sopro do vento
Esmigalhando as chances de que eu a deixe.

Ventre milagroso foi da mãe dessa fada
Contra versando qualquer chance de que eu não me apaixonasse por ela
Paixão do diabo!
Tão perto de m'alma e tão longe do meu corpo
Menina dos olhos diamantinos
Nas ondas do mar vejo um choro noturno
E me afogo nele diante do desespero de tê-la
Olhos d'água!

Posso chamá-la de Minha Lua!
Aquele sorriso perfumado com canela medieval
Fez de minha poesia um campo de pequenas e devoradoras violetas
Ela é devastadora como um vulcão a muito adormecido
Acordei-a com um beijo!

Ela é tão só!

No meio da madrugada lá está ela bebendo um vinho barato,
De safra ruim.
Ela quer tocar a lua.

Que boba essa menina és!!!
Não consegue ver que a lua é o seu corpo
Tão intocável pra mim que sou tão frio.
Observo-a de longe
Sinto medo de perdê-la.

Ela tem tantas faces!

(E não sabe que me apaixonei por todas)
 Shhhhh...

Está na hora de dormir, minha menina.
Solte esse cigarro que você coloca na boca e que tão rudemente o traga
Largue esse rapaz que te faz chorar
Você me tem nas mãos.

quinta-feira, 6 de junho de 2013

Acordar de um perdedor

Acordei de súbito e deparei-me com aqueles olhos enormes em cima de mim, devorando-me. Os meus arregalaram-se também  mas logo voltaram ao normal, os dela não. Aquelas bolas eram profundas e azuladas, furta-cor, tanto azul claro quanto o mais escuro, em uma escala bem mais bonita que as cores do céu. Naquela imensidão de seus olhos eu muito mergulhei, pratiquei apneia por pura obrigação, só para permanecer mais tempo dentro deles. E agora ela sorria de lado como quem zomba de um perdedor após a derrota. Era isso que acontecia sempre, eu perdia para ela. Perdia e me perdia dentro dela. Labirinto nefasto e cruel, cheio de sombras e frutas frescas. Oh! Seu aroma de laranja lima entrava por meus poros, qualquer buraco que existia dentro do meu corpo absorvia um pouquinho dela.

Agora eu a observava também, seus olhos se perdiam a cada segundo que piscava, aqueles cílios negros entravam em cena, como se dançassem balé, eram as suas pétalas. Perguntei o que ela queria, mas fui tolo demais, era muito fácil saber. Não foi preciso que abrisse os lábios ou roubasse um longo beijo, seu silêncio na mais cortante sinceridade dizia-me que era mais um adeus. Vi na expressão aliviada de seu rosto que ela novamente ia embora. Eu só precisaria agora era de suas pétalas para cortar todas as lágrimas que viessem, as minhas são tão frágeis que se desfazem sem querer. Paro de respirar, entro em apneia por meio de meu cobertor. Precisava que o sol morresse para tê-la novamente em minha medíocre cama, com cheiro de sujeira, com jeito de perdedor. Eu estava esperando novamente o soco da solidão.

O poema morreu!

Meu poema morreu
se desfez como poeira
o possuía nas mãos e ele escapou
era um poema pessoal
poema feito de carne
latejante.

Meu poema morreu enquanto eu o escrevia
estava criando forma, beleza
simplesmente faleceu
(Ou quem morreu fui eu?)
Não sei o que aconteceu
a coisa mais sublime que tive em mãos,
desvaneceu-se delas.

Trouxe-me melancolia, amargura, luto
meu poema morreu antes de ser criado
antes que eu desse um título,
sentido, ápice, rima.
ele não foi escrito e estou aqui me lamentando.

Talvez o poema não estivesse tão extraordinário
devia estar desprezível, grosseiro, com erros de ortografia
se ele morreu, pode não ter sido o que eu queria escrever
ou então a pior coisa que escrevi.

O poema parecia tanto comigo
um espelho refletido.
eu desisti dele, como fizeram de mim
deixei-o morrer
como morri.

terça-feira, 4 de junho de 2013

Meu poema

Quero fazer um poema a pleno punho
que não seja agressivo, mas as rosas que me perdoem,
nele não estarão.
Um poema que arrepie sem cautela

Poema que seja ácido, com humor
tenha, por favor, a seriedade de um doutor
Censura que me desculpe
mas eu não terei pudor
quero um poema que fale do que sou.

Um poema frágil como campos de lavandas
bruto feito punho de homem trabalhador
poema enamorado
dilacerado como coração de puta
cálido igualmente flor

Poema que não simplesmente toque
mas que fira, destrua
que seja psicopata,
mas que não mate a não ser de amor

Que minhas palavras atinjam o colapso
pois farei um poema sem traço
sem forma
Poema sem rima e sem técnica,
sem palavras de efeito moral

Farei um poema sem eu-lírico
que não tenha final feliz
sem história
que fique na memória

Que meu poema seja chato,
mas não será forçado
colocarei nele perfume
para que não seja lido,
quero que seja exalado

O amor do elevador

Foi amor, eu sei que foi.
Lembro da primeira vez que o vi no elevador, ele exalou o cheiro de perfume masculino por todo o ambiente, eu me embriaguei de amor. Sim... amor, paixão, carência, algo mais legal. Seja lá o que eu senti, foi a coisa mais pura que tive o prazer de provar. Fitei seus olhos em plena turbulência no meu peito e deixei um suspiro desesperado escapar. Ele percebeu a minha sina e ficou sem graça, encolhido. Eu não apertei meu andar e subimos até o dele, que era o último. Ele esperou que eu saísse, mas eu só conseguia o encarar. Ficamos por minutos parados, estáticos. Ele cansou-se de esperar e saiu do elevador, enquanto a porta de madeira fechava-se, observei seu rosto mirando o piso de mármore e o vi abrir um sorriso manhoso, envergonhado.

Depois daquele lindo dia, eu não sabia o que era ficar mais de trinta minutos sem pensar nele. Pensava na barba dele roçando no meu corpo, nos seus olhos verde musgo observando os meus. Qualquer cheiro que eu sentia era motivo para lembrar daquele perfume que me fez delirar de amor. Amor, foi assim que o descobri.
Em uma manhã chuvosa eu voltei correndo da rua para o prédio, cumprimentei o porteiro com meu sorriso ensaiado e entrei no elevador que já estava ocupado por duas pessoas. Enquanto ajeitava meu cabelo o cheiro daquele bendito perfume entrou pelas minhas narinas como fogo, meu corpo queimou muito mais que o nariz e com os olhos vidrados me virei para as pessoas que estavam ao meu lado. Era ele e outra mulher, ambos estavam abraçados, de dedos entrelaçados. Meus olhos inundaram-se mais do que minha rua inundaria naquela tarde de chuva rebelde. Ele ficou desnorteado e suas bochechas aveludadas coraram-se. Apertei o meu andar sem olhar para o botão, quando chegou eu saí e deixei uma amarga tristeza para ele. O homem que havia me mostrado o amor, era o homem que oferecia-o para outra.

Depois daquele dia emagreci, só subo de escada.

Medíocre prosa

Olha-me como se não visse,
se faz de mudo
quando peço para falar
se imploro que emudeça
grita.

Usa de palavras rudes
a sutileza natural,
mata-me com a indiferença
de um amor descomunal.

Dar-te-ei uma pequena rosa
para você perdoar essa medíocre prosa.

Fábio

Fábio, amanheceu e fez um sol tão bonito
Os passarinhos
Gritam de agonia, sorria

Você é composto de notas de uma velha canção
Música clássica que arranha os ouvidos, notas soltas; sem sentido
Oh! A primavera inveja seu aroma de rosas desnaturadas
Estou agonizando a falta que você faz
Na aurora da solidão você deve segurar minhas mãos

Minha pele é o pecado que vi em seus olhos de lobo
Meu amor desafinado é humilde
Onde sua paixão de homem sem regras desfaz
Desfaz meus planos

Navego distante na realidade que não existe
Você se desdobra
E me corta
Onde me desfaço de erros quadrados
Numa matemática sem respostas

A brisa gelada sufoca a minha dor
Você foi embora no sopro da morte
A sorte me abandonou e ficou saudade
Onde degolo felicidade

O homem que desvendava mistérios

Eu nunca fui um homem bom.

Folheando lentamente o jornal da cidade, procurava minuciosamente por alguma notícia suspeita. Cerrou os olhos quando viu aquela que dizia sobre um massacre de mulheres e sorriu com incredulidade. Fechou com força aquele jornal com cheiro forte, que o enjoava, e seguiu para o banheiro. Mirou-se durante um bom tempo de frente ao espelho e murmurava baixo. Resmungava coisas que vinham seguidas de palavras chulas. Lavou o rosto esfregando-o com força, vestiu a primeira coisa que encontrou jogada na cadeira de madeira dentro do seu quarto.

Saiu pelas ruas com o mesmo sorriso que deixava seu rosto tão cheio de malícia, com as mãos nos bolsos ele cantava uma ópera, bem baixinho. A noite estava tão escura que nem mesmo as lâmpadas conseguiam ilumina-la. Entrou em um beco de paredes sujas, era um bar que existia lá, havia muitas mulheres e ele as fitava sem timidez, sentou em um banco qualquer, pediu uma dose de Whisky. Depois de um longo tempo observando-as, não conseguia tirar os olhos da mulher mais estranha do local, ela estava em um canto, em pé. Cabelos curtos, pele branca como um lobo, era magra e seus olhos grandes demonstravam medo por tudo aquilo. Medo indecifrável, engraçado. O homem levantou-se e foi em sua direção.

Ela o fitou com indiferença, ele quase sorriu. Conversaram por algum tempo e no fim da noite ela já estava no carro. Ele levou-a para outra cidade, a mulher que não estava satisfeita com todo aquele clima, nada falou. O homem parou o carro em um casebre escuro e os dois entraram, ela queria ir embora, mas já era tarde, ele havia jogado-a em cima de uma mesa de centro empoeirada. Começou a rasgar sua roupa com fúria. Os olhos do homem reviravam de prazer misturado com ódio. Ela gritava, se debatia e rasgava-o com as unhas. Foi muito intenso, a casa parecia ter sido pintada de vermelha enquanto acontecia aquela cena de amor torturante. Então matou a mulher tão misteriosa. Talvez ele tivesse desvendado o segredo dela. Sua função era essa: Desvendar os mistérios do medo.

Sobre a mulher que me matou

Meu mórbido amor, esse é o fim de um fim que nunca teve início.
Escrevo essa carta com o coração partido, sei que é difícil alguém acreditar que tenho isso, mas eu juro que tenho. Éramos jovens quando nos conhecemos, Corina, você tinha os olhos verdes mais vivos que a natureza. Seu sorriso era de se espantar, tamanha vitalidade assustava até os mais felizes seres humanos. Me olhou e sorriu, bastou isso para que eu fosse seu. Namoramos por pouco tempo, eu era louco, extremamente louco por você. Trazia rosas e cartas borradas, pois eram cobertas por perfume masculino. Você ria com os olhos e alisava meus lábios com os dedos, como se quisesse roubá-los.

Passou pouco tempo e gradativamente você não sorria e os sonhos que insistia em me contar, viraram pesadelos. Tentava fazê-la feliz, mas existia uma coisa que a entristecia do nada. Via seus olhos virarem o abismo, quem se afundava nele era eu.

Nos casamos, comprei a casa mais simples e rosada que existia na cidade. Você adorava rosa e eu adorava ver-te adorar algo. Eu poderia jurar que você havia gostado no início, mas aquela amargura foi voltando. Os poemas não mais lhe faziam encolher o peito, as canções não mais arrancavam-lhe suspiros demorados. Chamei um médico e ele disse que você tinha problemas cardíacos, que não podia fazer esforços e nem por grandes emoções poderia passar. Depois disso, deitou-se. Deitou e não mais levantou. Ainda éramos novos, queria sair com você e sempre estava indisposta. Entupia-se de remédios e quando eu voltava do trabalho, já estava dormindo.

Comecei a não voltar para casa, beber e fumar. Via seus olhos encararem-me com uma piedade cruel, como se eu fosse o culpado de toda essa sua melancolia. Tentava encostar em teu corpo, você virava de costas e resmungava palavras impiedosas. Brigávamos e no final você sempre chorava e dizia que eu queria matá-la de desgosto. Desgosto? Corina, você acabou com sua vida e não tem clemência de fazer o mesmo com a minha. Virou um vegetal insolente, onde foi que você se perdeu? Quem foi a pessoa que roubou tu'alma? Me diga! Eu imploro que volte a ser a mulher que roubava meu sono, a mulher que fazia todas as coisas perderem o sentido. Só vejo uma pessoa com os olhos mais gelados e negros que o Polo Ártico.

Trazia o espelho para que você visse a derrota que havia tornado-se. Aos gritos me tirava do quarto e voltava para a cama. Brigamos muito, você se cortou e naquela noite, fiz sexo com três mulheres e dormi em um banco de esquina qualquer. Tive que voltar para casa, eu que regulava seus remédios e me senti um lixo. Voltei e conformei-me com a situação. Anos e anos perdidos, o sol nunca mais brilhou e as estrelas eram meras intrusas da escuridão. Fui adoecendo, não tinha disposição para nada e minha saúde estava debilitada. Comecei a praguejar você... Corina, a casa virou um inferno. Como deixou que algo tão maravilhoso se transformasse no meu maior pesar?

Minha querida mulher, a poucas semana atrás fiz um exame de sangue, recebi o resultado ontem e descobri que estou com Aids. Tenho certeza que foi no dia em que brigamos, no dia em que toquei outras mulheres pensando em ti. Na noite em que cheirei o cabelo delas e respirei teu corpo. Você viu o que fez comigo? Está satisfeita em ter me matado só por que estava afim de morrer? O amor é assim, não é, minha querida? Estou feliz por ter ficado esses anos todos ao seu lado. Minha eterna deusa do sorriso feliz, queria poder vê-la novamente, mas não tenho tanto tempo. Quem dera que você tivesse roubado meus lábios como outrora almejou. Estou abandonando este mundo, não irei morrer, já morri todos esses anos que vivi com você. Me perdoe por não borrar esta carta com perfume, não é necessário, você já encarregou-se de borrar toda nossa história. Estarei esperando-a.
Com carinho, do homem que teve a vida roubada.

domingo, 2 de junho de 2013

Os campos de trigo com cheiro de (des)perdida.

Seus sonhos eram bem maiores que ela mesma.

Seu nome era Tânia, sua idade indefinida. Ela imaginava viver no país das alfazemas. Todos a chamavam de louca, mas ela se achava tão normal quanto os outros. Quem sabe ela não estava dizendo a verdade? Nunca fiz questão de saber. Eu sempre fui apaixonado pela menina de cabelos curtos e dos olhos de avelã. Sim, aqueles olhos pareciam avelãs frescas, acabadas de cair da árvore. Tânia nunca falava direito comigo, preferia correr no campo de trigo ao lado da minha casa., eu ficava a admirar pela janela aquela pequena criatura maravilhosa, era diferente de todas as garotas que já vi. Ela usava seus vestidos de renda rodado, cada dia tinha uma cor diferente, cores neutras e quentes. Tânia era assim, uma oscilação sem igual.

Certo dia ela apareceu aqui em casa, eu fui correndo atender a porta com aquele sorriso enorme. Ela estava com cheiro alfazema e rosas amarelas. Embriaguei-me por alguns segundos até encarar seus lábios avermelhados. Chamou-me para correr no campo com ela, fez apenas um gesto e pude entender, segurou em minha mão e eu tremi. Definitivamente, tremi e a segui. Corremos algumas horas pelo campo sem abrir a boca um só segundo, comunicávamos-nos apenas atrás de gestos, olhares. Depois de esbaforidos nos deitamos no chão, encarei o céu, pois não tinha coragem de olha-la. Tânia murmurou algumas palavras que não entendi. Houve um longo silêncio, tão longo que duraram horas. Quando enfim tive coragem de encara-la para revelar meu amor, não mais consegui vê-la. Ela não estava mais lá. Não fui bom o suficiente para segurá-la por um dia inteiro. Voltei para casa, passaram-se anos, passou minha vida e nunca mais vi a menina dos meus sonhos. Ela havia escolhido aquele dia de dezembro ensolarado para despedir-se de mim. Na verdade, não era Tânia que era louca, louco fui eu... Por ela.

O adoçar da minha boca

Acordei com os olhos inchados, a claridade os queimou e a buzina louca dos carros fizeram com que eu chorasse um pouco mais antes de tentar levantar. Cambaleei, fiquei sentada, coloquei a cabeça sobre as pernas e deixei que as lágrimas quentes molhassem-na. Eu tinha esse mesmo coração quebrado dentro do peito e um gosto de café amargo na boca, todos os dias fazia café e não botava açúcar suficiente. Lembrei da época em que titia me comparava com o açúcar das jujubas e um sorriso sem felicidade estampou meu rosto.

Fui até a cozinha com um vazio no estômago, procurei pelo pó e não encontrei-o. Era engraçado, sempre esquecia do açúcar mas do pó nunca havia me ocorrido. Senti vontade de chorar novamente, como que desesperada, mas nada de meus olhos caiu. Dei de ombros, fui ao banheiro e enquanto escovava os dentes, comecei a esfrega-los tão fortemente que a boca começou a sangrar, quis lavar minha alma com a escova, que tola. Sem forças para chorar novamente, resolvi sair de casa.

A rua da minha casa pareceu muito estranha e desprovida de cor. As pichações nos muros me deram ânsia de vômito, resmunguei alto palavras horrorosas. Cheguei numa padaria que tinha as paredes descascadas e pedi café com bastante açúcar. Na verdade, eu gritei e o rapaz que me atendia arregalou os olhos, talvez fosse medo. Quem não teria medo de uma mulher descabelada e com os olhos borrados àquela hora da manhã? Recebi o café em um copo de vidro molhado, beberiquei e meu estômago vazio embrulhou, gargalhei de toda aquela desgraça de vida e quando olhei para o lado, tinha um simples e bonito rapaz olhando para meu sorriso. Encarei-o com os lábios estendidos e ele estremeceu. Bebi mais um gole e gargalhei ainda mais alto, ele suspirou demoradamente, até sorrir também. Ele segurou minha mão e disse baixinho que o café poderia estar mais quente e doce que eu no momento, mas assegurou que se eu continuasse segurando sua mão, em breve todos os cafés invejariam-me.
Continuei sorrindo, entrelacei nossos dedos e realmente o rapaz me adoçou. Adoçou minha boca.

Relatos de uma quase prostituta

Era a primeira vez que eu estava naquela boate obscura e arrogante, as luzes que existiam na mesma eram grotescas. Havia inúmeras pessoas frente ao palco ainda pouco iluminado, eu podia sentir um calafrio estranho na barriga que subia por minha garganta, arranhando-a. As lágrimas teimosas queriam lavar a rústica face, sem preocupar-se com a dinastia do público que ansiosamente esperavam minha presença.

Do lado de dentro das cortinas podia-se ouvir o estrondeante som daquele ambiente hostil, com os lábios sedentos olho para a mesa de madeira ao meu lado, só vejo um café gelado e um cigarro agressivamente apagado. Ouço meu nome no microfone como nunca antes havia escutado, aquilo soou doloroso para uma menina de sonhos inocentes. As pernas tremeram ao imaginar o que eu iria fazer por míseros dólares sujos, estava prestes a expor meu corpo, a humilhar minha alma.

Eu tinha apenas doze anos, não tinha seios e nem mesmo sabia que coragem tive para estar ali. A única alternativa foi correr desesperadamente, onde deixaria para trás aquele pesadelo fútil. Enquanto corria só conseguia ouvir minha ofegância, os batimentos acelerando e claro... A vaia dos sujos.

Quem dera ser um manequim

Queria ser um manequim, parada, de forma elegante e esbanjadora.
Veria pessoas gordas ou magras demais passarem almejando meu corpo. Minhas roupas seriam impecáveis, para cada estação surgiria um novo traje. Vestidos graciosos entrariam em sintonia com minha palidez, diamantes e pérolas seriam parte integrante de meu figurino.
Se eu fosse um manequim em todos os lugares estaria, todos me enxergariam. Modelos teriam inveja de mim porque não faria dieta e continuaria assim, tamanho único, pois seria manequim.
Eu ficaria estática atrás de um vidro sem falar com ninguém...  Eu estaria livre do que chamam de amor, poderiam até arranhar minha estrutura de plástico, porém, é bem mais suportável que ser perfurado no órgão pulsante.

Não haveria defeitos, por mera consequência eu não teria pai, não precisaria de mãe.
Só haveria eu, uma boneca sem vida trancada atrás de um vidro impermeável a sentimentos, condenada a décadas de moda.

Como eu queria ser um manequim...

Café forte e poesia

O café soprando
a saudade
Uma música tocava para ferir
Noite quente,
Nublada com a vontade de chorar.

Um cardápio borrado de palavras
Jogado na mesa com desprezo
Duas marcas de copos vazios,
Silêncio deixado pelo cappuccino.

Dois casais sussurrando ofensas banais
Ameaças durante a golada doída
Nó na garganta, língua queimada
Água nos olhos e na relação.

Chega o pedido da menina sozinha
Blues, café forte e poesia
Ela reza baixo uma prece
Lê o jornal ''o amor e o calor''
Coloca o casaco de pele
Onde aquece as diversas faces da dor.

Um garçom de branco exibe a bandeja vazia
Anda pelos lados com agonia
Com giz nos dedos ele traça o cardápio:
Hoje teremos alegria.

Mentira.

Memórias I

Quero despedir-me desse amor
amor que me cobriu no frio
de madrugadas sombrias
espantou os medos vivos
amor que foi o alimento na fome sagrada.

Jogo fora as armas e armadilhas
eu deixo contigo a paz de um refugiado
e quero que você corra
que fuja desse mundo corrompido.

Sujo as mãos com o sangue que correu teus dedos
esta navalha de alumínio é minha cúmplice
deixo correr o desespero morno da derrota
eu perdi e foi você o que apostei
perdi para minha fraqueza
perdi milhões de vezes
e não me resta nada.

Desloco-me por essas ruas sujas e vazias
estou tuberculosa de solidão
e você, foi esquecido na escrivaninha
como aquele livro marcado
o melhor livro já publicado.

O dedo está inchado e o anel deixado no baú
a senha é o dia do nosso noivado
os doces trouxeram cáries de paixão
e os passeios nas nuvens desgrenhadas serão memoráveis
você viajou sobre meu corpo delinquente
e eu roubei seus beijos
durante delitos da minha mente.

Eu fui morfina para a sua vida dolorida
e cortei os remédios diante a gravidade do corte
onde te viciei incansavelmente
busquei um infinito onde sou dependente
e estou presa em um passado
onde os sonhos se desfizeram com inocência.

Os filhos não foram gerados
e o coador encobriu as verdades cafeinadas
o monstro saiu do armário e sou criança
grito mas a dor corta as veias da garganta
e estou condenada a silenciar-me.

Foi bom e cinzento
e o arrependimento não aparece nas palavras
talvez nos gestos
talvez na chuva que persegue meus passos vacilantes
e vou embora gripada
mais uma vez tropeçando nos soluços navegantes.

A rosa que me deu está guardada dentro de um livro amarelado
onde as palavras esfarelam-se
num romance antigo com as pétalas ressecadas
O roteiro de nosso filme ganhou Oscar no verão passado
e hoje ele está esquecido
assim como você terá que fazer comigo
e com os planos falsamente editados.